Em África, à volta do Equador

Diário de Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo.

sábado, outubro 21, 2006

Mbandaka – Sexta-feira, 20/10/2006

Por aqui as Irmãs são adeptas de futebol, quando lhes conto que sou portuguesa dizem logo “Figo!”. O Mundial de Futebol foi seguido atentamente, uma fila de cadeiras em forma de U, frente ao televisor e lá estavam elas na primeira fila, não sei por quem torciam mas nesta altura o televisor que raramente está ligado deve ter tido muito trabalho...
Este grupo de freiras é muito alegre, quando estão todas juntas ouço-as tagarelar e depois riem alto, à gargalhada. Uma delas é dos Camarões, e está aqui há um ano, outra é Brasileira e já está no Congo há 13 anos.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Mbandaka – Quinta-feira, 19/10/2006

Hoje confirmei que o voo para Lisala será apenas na segunda-feira.
O meio de transporte mais utilizado por aqui é a bicicleta, são às dezenas nas ruas e quase todas transportam alguém atrás, fazem de táxi, existem também algumas motas e poucos carros, sendo a maioria destes das Nações Unidas, da União Europeia ou das diversas Organizações Não Governamentais.
Da janela do meu quarto vejo um homem, que constrói uma cabana, neste momento termina o telhado feito de folhas de palmeira. Em volta tudo é muito verde, imensas árvores de frutos diversos: cocos, papaias, bananas, lichias, mangustão...
Um rapaz passa com um balde cheio de água à cabeça e uma rapariga sentada à porta de casa rala as raízes de mandioca para preparar “fufu”.
Nas ruas a campanha eleitoral faz-se ouvir alto e bom som, alguém faz um discurso em lingala do qual eu apenas entendo o nome do candidato, Jean Pierre Bemba.

Mbandaka - Quarta-feira - 18/10/2006


Choveu e trovejou toda a noite, o dia amanheceu sem sol e corre uma aragem fresca.
As crianças batem à porta, e entram e saiem do meu quarto enquanto escrevo, pedem-me para tirar mais fotos e deliciam-se quando lhes mostro os seus rostos no minúsculo ecrã da máquina fotográfica.
Amanhã não sei se terei voo para Lisala, talvez tenha que esperar até segunda-feira, dia em que há o voo semanal. O voo de amanhã seria um voo extra.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Mbandaka - Terça-feira, 17/10/2006

O voo para Mbandaka durou apenas 1H30, num avião minúsculo de apenas 8 lugares, sem contar com os pilotos que eram dois e havia um lugar vago, eramos 9 pessoas ao todo.
A viagem correu bem, a paisagem era linda, nas nuvens brancas como algodão, o rio Congo do meu lado esquerdo que se dividia em imensos braços, e com muitas ilhas, e do lado direito uma imensidão de verde, floresta sem fim, onde se viam raras linhas de terra.
À saída do aeroporto várias raparigas vendiam bananas, mangustão e lichias. A rapariga das lichias ofereceu-me uma para provar, a do mangustão também me queria oferecer, acabei por aceitar a lichia, fresca, deliciosa e por comprar 10 lichias por 100 francos congoleses, um pouco menos que 2 cêntimos de euro.

Só tenho voo dia 19 para Lisala e por isso fico aqui mais duas noites, estou hospedada nas freiras.... numa casa da igreja católica. Nestes locais pequenos é sempre o local mais aconselhado e com melhores condições para ficar. Assim que entrei no pátio um grupo de crianças veio a correr para mim. Estivemos a tentar comunicar em francês, elas quase só falam lingala. Tirei fotos com a máquina digital e fiz pequenos filmes delas a cantar e a dançar, quando lhes mostrei ficaram histéricas, riram, pularam e gritaram de alegria.

São 19H00, lá fora está completamente escuro, não se vêem luzes e apenas se ouve o barulho das cigarras invisíveis. Aqui, fora da grande cidade e do caos que é Kinshasa sinto-me mais leve, mais perto do povo e principalmente sinto-me em África.

terça-feira, outubro 17, 2006

Dividida entre dois hemisférios

Hoje coloquei cada um dos meus dois pés em hemisférios diferentes ao mesmo tempo.

Venho do sul, vou para o norte.
Hoje a minha cama estará sobre a linha do Equador.

Que sonhos terei?

As ilhas no rio Congo na chegada a Mbandaka

segunda-feira, outubro 16, 2006

O percurso da viagem no mapa


A viagem será feita desde Kinshasa (a branco no mapa) até Mbandaka (a amarelo no mapa), sobre a linha do Equador, no primeiro dia. E de Mbandaka a Lisala (a verde no mapa) no segundo dia.

Ao todo, 900 Km.
Os aviões são das Nações Unidas.

Destino Lisala, província do Equador

Dia 17, terça-feira, vou viajar em serviço, com destino a Lisala a 900 km de Kinshasa. Terei que pernoitar em Mbandaka, a capital da Província do Equador, e só dia 19 é que terei voo para Lisala. Irei como Security Officer, responsável pela segurança dos funcionários das Nações Unidas durante o período da segunda volta das eleições presidenciais, que será no dia 29 deste mês.

Só vou regressar a Kinshasa depois de contados os votos desta vila, havendo no local para o efeito elementos da Comissão Eleitoral Independente.

Como o próprio nome indica esta província fica na zona da linha do Equador.

domingo, outubro 15, 2006

O regresso a Kinshasa foi num sábado, dia 19. Era noite quando cheguei a casa e fui descansar cedo, no dia seguinte, domingo 20, tinha que preparar um relatório para ser entregue na segunda 21.

Depois de passar quase todo o dia de domingo a trabalhar com um colega da Costa do Marfim, saimos a pé do escritório em direcção a casa. Moramos na mesma rua e por isso em companhia faz-se bem os cerca de 500 metros, e os domingos são geralmente calmos. Antes de irmos directos a casa, passámos por um restaurante indiano e comprámos comida para levar.

Quando cheguei a casa eram cerca das 18H00, preparava-me para comer quando me pareceu ouvir foguetes. Domingo 20 era o dia do resultado das eleições presidenciais, e o que eu pensava serem foguetes eram na realidade tiros.

No rádio de serviço chegavam comunicações de que junto da Comissão Eleitoral Independente, havia um grupo de guardas presidências (guardas de Khabila) aos tiros, descontentes com o resultado: Khabila não conseguira obter a maioria absoluta dos votos e por isso iria haver uma segunda volta.

No dia seguinte, fui trabalhar, mas os tiros continuaram e aumentaram. Ouviam-se canhões, os guardas de Khabila atacaram a casa do segundo candidato presidencial, Bemba, onde na altura se reuniam vários embaixadores e o Chefe da Missão da Nações Unidas aqui na R. D. do Congo (MONUC). A situação complicou-se, 11 tanques militares da UN, e vários da Missão da União Europeia tiveram que retirar os embaixadores e o Chefe da MONUC da casa a ser atacada. Por todo o lado se ouviram troca de tiros entre os guardas de Khabila e os seguranças de Bemba.

As ordens eram para ninguém sair de onde estava.

Eu e os meus colegas de trabalho ficámos no escritório até as 21H, hora a que conseguimos ser escoltados até casa. Na terça ninguém foi trabalhar, os tiros continuavam. O aeroporto de Kinshasa estava encerrado, os voos cancelados. Na quarta a situação acalmou, regressámos ao trabalho e a pouco e pouco a calma regressou à cidade, apesar de se sentir a tensão e as ruas estarem desertas.

Eu viajava de férias na sexta dia 25, o aeroporto já estava aberto, mas nessa noite houve um problema técnico com o avião em que ia viajar: nem sequer chegou a partir de Bruxelas. Felizmente no sábado de madrugada fui para o aeroporto e tudo correu bem. Partindo para Bruxelas ao início da manhã.

sábado, outubro 07, 2006

Casamento

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Entre 16 e 19 de Agosto tive a oportunidade de viajar em trabalho até Bukavu, capital da Província do Sul de Kivu. Bukavu situa-se junto do Lago Kivu a cerca de 1500 km de Kinshasa, e faz fronteira com o Ruanda. Quase todas as viagens para fora de Kinshasa, para as províncias mais afastadas da capital, são feitas nos aviões das Nações Unidas: em virtude do mau estado das estradas, das longas distâncias e também por razões de segurança. Em Bukavu tive a sorte de presenciar algumas celebrações na rua, de vários casamentos, em que grupos de mulheres, com vestidos de muitas cores e chapéus de sol também coloridos, tocavam, cantavam e dançavam em volta dos noivos, na berma da estrada. Vi também celebrações pelo nascimento de uma nova criança, muito idêntico aos casamentos, as mães carregam o bébé às costas, como é tradicional em África, e as mulheres da família e vizinhas, tocam, cantam e dançam, canções de agradecimento a Deus e de esperança por um novo Ser ter a oportunidade de crescer.