O regresso a Kinshasa foi num sábado, dia 19. Era noite quando cheguei a casa e fui descansar cedo, no dia seguinte, domingo 20, tinha que preparar um relatório para ser entregue na segunda 21.
Depois de passar quase todo o dia de domingo a trabalhar com um colega da Costa do Marfim, saimos a pé do escritório em direcção a casa. Moramos na mesma rua e por isso em companhia faz-se bem os cerca de 500 metros, e os domingos são geralmente calmos. Antes de irmos directos a casa, passámos por um restaurante indiano e comprámos comida para levar.
Quando cheguei a casa eram cerca das 18H00, preparava-me para comer quando me pareceu ouvir foguetes. Domingo 20 era o dia do resultado das eleições presidenciais, e o que eu pensava serem foguetes eram na realidade tiros.
No rádio de serviço chegavam comunicações de que junto da Comissão Eleitoral Independente, havia um grupo de guardas presidências (guardas de Khabila) aos tiros, descontentes com o resultado: Khabila não conseguira obter a maioria absoluta dos votos e por isso iria haver uma segunda volta.
No dia seguinte, fui trabalhar, mas os tiros continuaram e aumentaram. Ouviam-se canhões, os guardas de Khabila atacaram a casa do segundo candidato presidencial, Bemba, onde na altura se reuniam vários embaixadores e o Chefe da Missão da Nações Unidas aqui na R. D. do Congo (MONUC). A situação complicou-se, 11 tanques militares da UN, e vários da Missão da União Europeia tiveram que retirar os embaixadores e o Chefe da MONUC da casa a ser atacada. Por todo o lado se ouviram troca de tiros entre os guardas de Khabila e os seguranças de Bemba.
As ordens eram para ninguém sair de onde estava.
Eu e os meus colegas de trabalho ficámos no escritório até as 21H, hora a que conseguimos ser escoltados até casa. Na terça ninguém foi trabalhar, os tiros continuavam. O aeroporto de Kinshasa estava encerrado, os voos cancelados. Na quarta a situação acalmou, regressámos ao trabalho e a pouco e pouco a calma regressou à cidade, apesar de se sentir a tensão e as ruas estarem desertas.